Água Doce é diferente de tudo que
já li até hoje. Escrito por ume autore nigeriane e não-binarie, o livro nos
leva à cultura igbo e nos apresenta aos ogbanje,
espíritos intrusos que nascem e vivem em corpos humanos. Ada é uma filha da
deusa Ala, e cresce com a presença desses espíritos como parte de seu “eu”.
A história se divide em capítulos
narrados pelos espíritos, “Nós”, Asughara, outra fragmentação do “eu” de Ada, e
pela própria Ada. O livro é extremamente pesado, repleto de gatilhos,
detalhando a jornada de Ada desde seu nascimento, por eventos traumáticos e
decisivos em moldar as várias partes do seu ser. Temos mais contato com o ponto
de vista dos espíritos, portanto com a forma com que eles interferem na vida
dela, como eles enxergam a vida e as relações humanas e agem, a partir de Ada,
da forma que julgam melhor.
Em uma visão mais cética, é possível
fazer um paralelo com o transtorno dissociativo de identidade, e enxergar os
espíritos como diferentes personalidades de Ada se manifestando conforme os
contextos em que ela se insere. Não pude evitar ver dessa forma em várias
ocasiões, mas, no final das contas, esse é um livro sobre espiritualidade, e
talvez eu tenha sido influenciada por não estar acostumada com a cultura
trazida por Akwaeke.
Algo de extrema importância sobre
os ogbanje é que eles não têm gênero.
Há uma nota da tradutora no início do livro explicando a sua escolha por
traduzir os termos que se referem a eles para o masculino no português, mas
sempre tendo em mente que aqueles que se referem a “Nós” não são masculinos nem
femininos. A história toda transita nessa esfera, na não-binariedade, em como
os espíritos se sentiam por estarem presos a um corpo humano e, portanto, preso
a um gênero, e como isso foi se expressando em Ada ao longo do tempo. Foi uma
leitura muito peculiar sobre a experiência de identidade de gênero.
Dei 4,5/5 estrelas para Água
Doce. Em vários momentos tive a sensação de que não estava compreendendo tudo.
De novo, foi um primeiro contato com uma linguagem completamente nova para mim,
o que causou um estranhamento no início. Mas foi uma experiência incrível.
Sendo eu mesma uma pessoa não-binária, acho essa obra de uma importância
gigantesca. Recomendo e muito a leitura!
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